“Porque nenhum de nós vive para si…” – Paulo

(Romanos, 14:7)

 

Nossa vida é algo de que desfrutamos desde muito antes de sequer pensar em compreender de melhor forma o que devemos fazer dela.

Nas primeiras idades no reino humano, quando já vive a noção do eu, ao indivíduo parece suficiente perceber-se como fruto da união entre seus pais.  Prevalece a tendência instintiva de preservar a própria existência, visando o bem-estar, atendendo aos impositivos fisiológicos. Mas nesse mister, já é convidado pelas injunções da vida a valorizar a família e o grupo, ampliando a experiência como ser social, tendo na vida de relação, desde o início, o educandário do amor ao próximo.

Migrando do instinto para a razão, recebe do Criador a liberdade para fazer escolhas e o convite amoroso para estudar a vida, ensaiando-se no caminho da autonomia, aprendendo a responsabilizar-se pelos próprios atos.

Com o objetivo de nos encaminhar à perfeição, o amor de Deus nos impõe a dádiva das encarnações, mas muitos indivíduos, por escolhas puramente pessoais, se demoram no personalismo, cristalizando, nessa conduta, o objetivo máximo da existência.

O tempo passa. A memória da Humanidade mostra, em todos os campos do saber, uma clara direção evolutiva. O ser se intelectualiza e se espiritualiza, ganhando as alturas. Já reúne plenas condições de compreender e aceitar que amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é o caminho autêntico da verdadeira felicidade. Todavia, muitos ainda persistem em só entender a vida como o campo de oportunidades para satisfação do próprio ego. É entre esses dois extremos, o do altruísmo e o do egoísmo que podemos perceber, estudar e compreender de que forma as pessoas tendem a valorizar a própria existência.

Doenças indicam perda de equilíbrio. Podem ser respostas, diretas ou indiretas, a algum erro de conduta. Tal condição pode se expressar, no campo psicoemocional, de várias formas e níveis como problemas de afetividade, de ansiedade ou de depressão, entre muitos outros .

Casos de depressão nos interessam mais de perto, visto sua relação com a noção de valor da vida. Podemos entender que as situações de depressão diferem, ou por serem passageiras, como reativas às vicissitudes, ou por terem origem em existências passadas, surgindo como doenças já instaladas, de intrigante etiologia. Mas, sejam os casos expiatórios ou probatórios, o mais importante a compreender é que a maneira como o próprio doente lida com a sua doença depressiva está diretamente ligada à sua visão de vida. Portanto, faz importantíssima diferença se a pessoa considera, ou não, que a vida não é aniquilável, mas eterna. Entendemos perfeitamente que ninguém deve esperar conhecer as convicções do doente antes de contribuir para o tratamento, que muitas vezes precisa ser de urgência médica, como quem afasta o desorientado da beira de um penhasco. Mas, se a depressão pode levar ao suicídio, porque não nos preocuparmos, pelo menos em igual medida, em compreender o que pode levar ao processo depressivo? Não, não se trata de estudo diagnóstico, muito menos de conhecimento científico, mas de considerar a visão de vida da pessoa depressiva, sabendo que ninguém pode valorizar algo cujos objetivos não compreende verdadeiramente e que ninguém se cura verdadeiramente se o tratamento não visa a raiz do problema.

Quando pessoas depressivas parecem não valorizar a vida, possivelmente, podem estar decepcionadas por não conseguirem da vida o que querem, sem procurarem saber se isso é justo ou não; possivelmente podem estar revoltadas por não compreenderem e não aceitarem o sofrimento. Nesses casos, realmente, como podem lidar com a vida pessoas que creem que a vida é algo que lhes pertence para que façam dela o que bem entendem? Como podem lidar com a vida pessoas que creem que o seu termo é um desligar da consciência, uma passagem para o nada, um simples cessar do impulso vital e de todo o sofrimento?

Pensemos nos altos índices de suicídio e concordemos em perguntar: se as pessoas tivessem a convicção de que a vida é eterna e que a morte do corpo não faz cessar o sofrimento e até o multiplica, por que se matariam? Muitos diriam que não devemos questionar a maneira de pensar das pessoas e sim ajudá-las, vendo na depressão uma doença que impede a compreensão normal das coisas. Mas, como não considerar que a própria ocorrência e evolução da doença depressiva é dependente da visão de vida da pessoa?

Muito embora a melhor estratégia seja sempre a prevenção, uma doença pode ser abordada em qualquer estágio de desenvolvimento, mas em todos os casos o tratamento visa a importante participação do doente no processo de cura e não há como fazer isso sem saber como ele pensa. Embora nos casos de depressão, realmente, essa conduta fique muito prejudicada pela qualidade da afetividade e do entendimento, não basta tirar quimicamente o doente da crise, é preciso tentar auxiliá-lo, com foco na sua visão de vida.

É imprescindível que, na medida das nossas possibilidades, nas situações de atendimento fraterno, aprendamos a ajudar pessoas depressivas, que algumas vezes se encontram em avançado estado da doença, sem que a própria aparência e postura o indiquem. Não precisamos ser profissionais de saúde mental, para ajudar. Sejamos sinceramente fraternos e sensíveis à dor alheia, dispostos à empatia que acolhe e cuida.

Em todas as ocasiões que se apresentem, sempre que necessário, devemos agir como vigilantes enfermeiros, sensíveis à perigosa desorientação existencial ou afetiva que leva a atos de desespero. É bem verdade que como espíritas somos muito zelosos em não ser proselitistas, mas esse é o caso em que falar a alguém sobre a realidade espiritual da vida não é proselitismo e sim caridade. Mesmo diante de um cético abalado pela depressão, esse é o caso em que abalar amorosamente a sua descrença com a dúvida, pode lhe salvar a vida.

Jesus sabia que muitos não acreditavam nele e que muita coisa ainda não poderia ser compreendida. Mas, por amor a nós, sempre considerou o momento e a maneira de falar a verdade.

Celso Andreoni